Autor: Francisco da Silva Cardoso
Publicado em: 3 de novembro de 2024
Num domingo de céu claro, pela manhã em Campo Maior, apareceram três listras brancas vindas do nascente e se prolongando até quase o meio do céu. Com o passar do tempo foram engrossando, se distanciando e depois se desfazendo no ar.
A princípio chegou a causar pânico em algumas pessoas menos esclarecidas. Os mais cultos achavam que era disco voador ou alguma experiência com invento de novos aviões.
Outros ignoravam tal fato, e os mais incultos pensavam ser castigo, era o fim do mundo. O povo só quer saber de luxo e riqueza, esquece de Deus, por isso o mundo iria se acabar. No final do dia, a notícia verdadeira dava conta de que aqueles sinais eram fumaça de três aviões a jato, que sobrevoaram os céus de Campo Maior.
Pras bandas da Caatinga do Brasão, a notícia foi diferente. Apareceu um falso profeta e no meio da comunidade anunciou que aqueles sinais no céu, eram o fim do mundo: Olha gente, dizia ele, olha ali, e apontava para cima, olha os sinais que vêm do céu. É o fim dos tempos, primeiro foi com água, o dilúvio tão anunciado por Noé, que o povo não acreditou e terminaram morrendo afogado, agora vai se acabar é com fogo mesmo, para queimar as almas destes macumbeiros, ateus e amancebados que não querem saber de Deus, pois o fumaceiro tá tomando todo o Céu e é sinal que a grande fogueira já teve início no pé da cerca do mundo e está se alastrando cada vez mais. Frei Vidal já dizia em suas profecias que o fim do mundo estava próximo, por isso é bom se arrependerem dos pecados e entregar a alma a Deus, porque o fim taí, pra todo mundo ver. Aconselhou a irem para suas casas e fazer muitas orações. Houve muito choro, clamor e despedidas, e se recolheram em suas casas, para rezar e morrer deitados, antes se arrependerem e pedirem perdão ao companheiro ou companheira.
– Gonçalo, meu véi, me perdoa, eu te fui falsa três vezes. Três vezes? Pra bem dizer só duas vezes, porque a última foi quando você foi a cidade e um caçador focou a lanterna nas moitas próximo onde estávamos e para não sermos descobertos, corremos com as roupas na mão. Não deu tempo de vestir e, para desgraça minha, bati com a cabeça numa casa de marimbondo de chapéu, chega fiquei toda empolada.
– Bem feito, disse ele.
– Ô home, deixa de ser perverso, como é que tu me deseias tanto mal?
– Bem, e as outras duas vezes?
Foi de dia, no caminho da roça, quando fui apanhar feijão, ali naquelas moitas de crioli, onde tu matou aquela raposa, que fica perto daquele pé de Sambaíba. Mermo tu só tinha tempo para cuidar de roça, esperar veado e botar a vara n’água com anzol para pegar peixe.
– E quem é ele ou eles?
-Eles não, respondeu ela, foi somente o Toinho Rabo de Couro.
– O Toinho Rabo de Couro?
– Sim, ele mesmo, pois não é que ele me preciguia que nem gavião fumaça precegue pomba-rola e, cuma a came é fraca, aí deu no que deu, mais não tirou tampo não, tá mermo do mermo jeito, e no fundo eu gosto mermo é de você. Bem, eu já disse todos os meus pecados e estou arrependida e só falta você me perdoar, para no juízo final estarmos em paz e conseguir um lugarzinho no céu para fazer nossa eterna morada. Perdoe enquanto é tempo, anda home responde… Tá perduado? Taaaaaaa!
Mais tarde, ouviu-se barulho de um caminhão. Alguém chegou da cidade informando que os sinais no céu eram deixados por um avião a jato. Gonçalo foi lá fora e confirmou a história.
Foi no mato que ficava ao lado de sua casa, tirou três vergônteas de jatobá, fez trança, pegou a Chiquinha pelo braço e disse:
– Tá aqui o pecado perdoado, rapariga, e deu-lhe uma surra que a deixou estirada no chão. Pegou a faca, correu e ao chegar na casa, foi logo dizendo:
– Rabo de Couro do Diabo, tu não morreu com o fim do mundo, mas vai morrer na ponta desta faca. Lascou o pé na porta, botando-a no chão e quando procurou Rabo de Couro, este saiu pela porta da cozinha. Azulou no mato que parecia um veado bravo e só depois de mais de um ano, se soube notícias dele, morando nas brenhas do Maranhão.
O Gonçalo não se livrou dos chifres que Chiquinha lhe colocou, o que bem dizia o grande Catulo, nos lindos versos do poema intitulado “O Marrueiro”:
Grande é o poder de Maria,
Esposa de São José.
O Diabo, o Anjo mardito,
Foi grande, como inda é…
Mas, porém, nada é mais grande.
Mais grande que Deus inte,
Que uma chifrada, marrueiro,
Dos óio de uma muié..